Uma câmera na mão e 80 bandas na cabeça
A pinheirense Diana Boccara e Leo Longo tiraram do papel um projeto bem desafiador: o Around the World in 80 Music Videos. O casal passou por 22 países, em 18 meses, e filmou 80 videoclipes de bandas independentes. É possível ver o resultado (e os bastidores desse diário de viagem musical) no canal do Youtube, com o nome do projeto. Na entrevista exclusiva para a Revista Pinheiros, os viajantes falaram da força dessa experiência, do planejamento para realizar um sonho e como essa “volta ao mundo” mudou suas vidas.
Como surgiu a ideia de viajar o mundo gravando videoclipes?
Diana: Eu trabalho com TV, sou produtora e assistente de direção, e o Leo é diretor de TV. Nós tiramos férias no começo do ano de 2014. Fizemos uma viagem de carro pelo sul dos Estados Unidos, só passando por cidades musicais. Voltamos ao Brasil muito inspirados pela vida na estrada. Já estávamos há algum tempo querendo fazer um trabalho nosso, totalmente independente. Começamos a pensar em como desenvolver um projeto que fosse nosso, envolvendo música, viagens e vídeo, que é o que sabemos fazer. Depois de muito brainstorming, chegamos a essa ideia de fazer uma Volta ao Mundo em 80 Videoclipes.
Como foi tirar do papel um projeto tão desafiador?
Diana: Ele começou realmente como um sonho. Um sonho absurdo. Era um projeto megalomaníaco. Só que, aos poucos, foi se tornando verdade para nós, uma possibilidade, fomos entendendo que dava para fazer, que era possível fazer um vídeo por semana. Foi um grande processo, com erros e acertos, até que conseguimos finalmente tirar do papel.
Quanto tempo de planejamento?
Diana: Foi um ano de planejamento e 18 meses de trabalho. Ao longo do processo, muitas pessoas não acreditavam que isso fosse possível. Passamos oito meses tentando vender o projeto para marcas e assim viabilizá-lo. A cada vez que recebíamos um não, apresentávamos para uma marca nova que também falava ‘não’ e voltávamos para casa com uma lição: entender como poderíamos fazer melhor para convencê-los. Esses meses de negativas e descrenças alheias foram nos fortalecendo e fazendo com que amadurecêssemos mais o projeto.
Leo: Começamos o planejamento pensando na estrutura de televisão. Ficamos muito tempo insistindo em ter uma equipe grande. Como estávamos acostumados. Mas, depois de um tempo, quando você começa a buscar recursos e financiamento, vê que, na verdade, muita gente é também muito custo. Aí você tem que começar a reduzir. O processo do planejamento foi um baita aprendizado, porque tivemos de aprender a abrir mão dos vícios que tínhamos na rotina profissional, mas não foi sofrido, foi superpositivo.
Como vocês bancaram o projeto?
Leo: 50% investimento nosso e 50% de parcerias.
Em que momento, vocês convenceram as outras pessoas?
Diana: Ninguém estava muito convencido ao nosso redor, até começarmos a convidar as bandas. Quando o Pato Fu topou e as bandas brasileiras começaram a topar, as coisas ficaram muito mais reais para nós. Aí as pessoas começaram a acreditar. Começamos a sair na imprensa e as marcas viram e começaram a acreditar também. A família do Leo falou ‘nossa, que irado o projeto’. A minha família falou ‘hã?! Vocês não vão fazer isso, não vão conseguir, vocês são loucos’.
Quanto vale a opinião alheia nesse caso?
Leo: Sabíamos exatamente o que queríamos fazer e como queríamos fazer. E quando você fala para si mesmo que vai fazer uma coisa, dificilmente algo vai barrar. A opinião das pessoas, quando era positiva, acatávamos porque nos motivava. E quando era um ‘não’, virava um desafio.
Em nenhum momento vocês tiveram medo de vender tudo para apostar em um sonho?
Diana: Não, nem nós questionamos, nem pensamos. Era realmente uma vontade muito grande de fazer o negócio acontecer. Então, não era sofrido. Gostávamos muito do apartamento em que morávamos aqui. E falamos ‘tchau, apartamento’, nos vemos um dia, talvez.
Leo: Acho que tem a ver com a nossa construção de história e de personalidade, que contribuiu para esse desapego. Lidamos muito bem com isso.
Voltaram diferentes?
Leo: A maior transformação que esse projeto nos trouxe foi de falar assim ‘você não precisa ser especialista em alguma coisa, essa não é a única forma de você conseguir ganhar seu dinheiro, trabalhar pela sua arte, fazer algo que você gosta, também vale’.
Diana: Ficamos mais não materialistas do que éramos. Passamos um ano e meio vivendo cada um com uma mala. Sem comprar, sem grandes luxos. Vivíamos muito balanceando, com 23 kg cada um. Quando chegamos ao Brasil, doamos nossas roupas, porque tínhamos muito mais do que precisávamos para viver. Deu ainda mais uma limpada no quesito materialismo.
Qual foi o critério de escolha das bandas?
Leo: Foram basicamente três: só convidávamos bandas de que gostávamos. E gostar significa não só gostar da música, mas também do perfil. Pensar ‘será que esses caras são como nós?’ ou ‘será que eles são estrelas e querem um clipe superprodução?’. Eles têm que entender que tem que ter desapego total aqui, senão não funciona conosco. O terceiro era ser de alguma forma do universo do rock e subgêneros.
Como eles recebiam vocês com o projeto?
Diana: Muito bem, em boa parte. Em 80% dos casos, as respostas eram muito positivas. Algumas bandas falavam ‘meu, legal seu projeto, valeu, mas não queremos participar’. Mas as pessoas que nos recebiam e topavam participar do projeto entravam na nossa onda.
Como era a aproximação?
Diana: Da forma mais simples do mundo. As pessoas nos perguntavam como tínhamos chegado à banda de rock mais famosa do México. Google. Facebook. Site da banda. Clicava no e-mail, mandava mensagem. Às vezes respondiam, às vezes não. Às vezes ia para a caixa de spam e tinha de ligar. Mas era assim: da forma mais natural possível, por meio da internet.
O que foi mais complicado?
Diana: O mais difícil de tudo era achar os lugares em que íamos gravar em cada um dos países em que chegávamos. Não se conhecia o país, nem a cidade, ninguém. Por exemplo, produzir uma casa abandonada na Rússia, não sei nem por onde começar.
Leo: Acho que o maior desafio era fazer com que a banda e as pessoas com quem íamos filmar aquele clipe entendessem que precisávamos fazer algo colaborativo, que todo mundo ali tinha que se dar ao máximo para conseguir achar uma locação, um ator, entender que na verdade tínhamos uma câmera e nada mais.
Deu tempo de passear? Vocês podem dizer que conheceram 22 países?
Diana: Gastronomia nós conhecemos muito bem, porque tínhamos de comer em algum momento e as bandas tinham muito prazer em nos levar para comer nos restaurantes favoritos deles ou fazer alguma coisa para mostrar a cultura deles. Passear, passear, tivemos poucas oportunidades. Mas isso não foi ruim. Como rodávamos muito atrás de locação e bandas, com saídas para reuniões, acabávamos conhecendo as cidades de uma forma não turística. O único lugar que falamos que realmente precisávamos tirar um day-off no caos que estava nossa vida e visitar era o das pirâmides no Egito. E tivemos um break de Natal e Ano Novo, um imprevisto que nos deixou presos na Coreia do Sul.
Como será o pós-projeto?
Leo: Como investimos muito dinheiro e tempo, pensamos em recuperar isso no futuro. Tem livro.Estamos tentando vender uma ‘série de televisão’ que conta a nossa história. Um documentário. E as palestras que temos feito pelo mundo. Já fizemos nos Estados Unidos. Fomos confirmados no TED, em duas palestras. Isso também é resultado desse trabalho.
Diana: E no fim das contas, não estamos mais nos países das bandas, mas as bandas ou pessoas que encontramos no meio do caminho querem fazer clipe conosco. Vamos gravar um clipe com uma banda da Índia, que gravamos lá, mas agora eles nos contrataram para fazer um clipe no Brasil. Um russo nos escreveu porque também quer um clipe feito por nós.
Em que momento vocês sentiram que valeu a pena ter colocado em prática o projeto?
Leo: Foi no primeiro momento, porque você está lá no set e olha para o lado e vê a alegria que é as pessoas colaborando sem ganhar dinheiro. Foi o primeiro passo. Esse é sempre especial para mim. Além de o primeiro clipe ter sido filmado na cidade em que eu nasci, Piracicaba.
Diana: Quando vi que o projeto podia tocar muito as pessoas. Sem querer fomos cruzando a vida de várias pessoas que tiveram de alguma forma mudança na vida delas, talvez inspiradas por nós e pelo que estávamos fazendo. Pelo que fizemos juntos.