Com 22 anos e se destacando principalmente no salto e solo, o atleta viu a ginástica transformar a sua vida e espera servir de exemplo para que outras pessoas também mudem de vida
Ângelo Roberto Dias de Assumpção, hoje com 22 anos, lembra que quando chegou ao Esporte Clube Pinheiros, por volta dos seus 7 anos, ficou encantado pelo tamanho do lugar e o número de atletas das mais variadas modalidades. Vindo da Zona Leste de São Paulo, o atleta conta que tudo começou na verdade, como muitas crianças, através de uma brincadeira. Ele o irmão e o primo, costumavam frequentar o campinho de futebol, do bairro onde moravam. Por lá sempre encontravam outros meninos e alguns deles praticavam capoeira. Ângelo imitava as estrelinhas e outras “acrobacias”, demonstrando levar jeito para a coisa.
Quem logo percebeu que havia uma predisposição para a prática esportiva nele, foi o seu tio, que ficou sabendo de uma seletiva que aconteceria no Centro Olímpico, da Prefeitura de São Paulo. “Acho que era 2003, se não me engano e meu tio levou nós três para fazer testes. Meu primo era maiorzinho e foi para o basquete, meu irmão gostava de futebol e eu fui para a ginástica e passei no teste.
E foi no Centro Olímpico, onde ele treinou cerca de um ano, que ele teve sua iniciação na modalidade. Mas após este período o projeto chegou ao fim e ele que já tinha tomada gosto pela ginástica, contando com a ajuda de sua mãe, resolveu procurar um outro local para dar continuidade.
“Nós começamos a procurar clubes em toda a grande São Paulo, daí eu fiz teste no São Caetano, no São Bernardo e no Pinheiros e eu acabei passando em todos eles, mas precisava escolher um. Como a minha mãe sempre foi muito religiosa, na época ela disse que teve um sonho que o Clube onde eu ia crescer, tinha um elevado, que representaria minha ascensão. E o único entre eles que tinha um elevador na época, era o Pinheiros. E assim eu iniciei a minha história no Clube em 2004 e estou aqui me desenvolvendo como pessoa e atleta até hoje”.
Ele conta que no ir treinar no Centro Olímpico já era difícil pela distância e com a mudança para o Pinheiros, o trajeto ficou ainda mais complicado. Para vir da zona leste até o Clube, gastava em torno de duas horas para ir e mais duas para voltar, por isso a mãe que sempre o acompanhava, acaba trazendo-o para treinar e ficava esperando terminar para levá-lo de volta.
“Não valia a pena ela voltar para casa, pois demorávamos umas duas horas para vir e mais duas para voltar e eu treinava seis horas por dia, era muito puxado. Ela se ausentou do trabalho, já estava buscando a aposentadoria e então resolveu se dedicar a mim”.
O atleta afirma que até hoje conta bastante com o incentivo da mãe e dos familiares, que apoiam e gostam bastante de esporte. Ele não teve muito contato com pai na infância, só veio conhecê-los com uns 12 anos, mas não mantiveram muita proximidade e hoje ele é falecido. “De qualquer forma eu também tenho bastante contato com a família Oliveira, que é da parte do meu pai, a minha avó, tios, primas”.
Depois de um tempo, conforme foi crescendo, passou a vir para o Clube sozinho. Encontrava com outros atletas que eram um pouco mais velhos, no meio do caminho e juntos seguiam para o treino. Segundo o ginasta, o percurso passou até a ser divertido e por onde eles passavam, já eram conhecidos e acolhidos por todos.
“Nós passávamos nos lugares, no Terminal Bandeira, por exemplo, e as pessoas que trabalhavam nos locais ao longo deste trajeto já conheciam a gente. Era engraçado, éramos animados, fazíamos mortal e brincávamos dentro do transporte público. Com o tempo o transporte foi melhorando, mas continua sendo complicado e nós atletas temos que priorizar o descanso, então eu acabei ficando de vez. A partir dos meus 16 anos mais ou menos passei a morar em República”.
Amadurecendo
Sair da casa da mãe foi difícil no começo, mas era um sacrifício necessário pois o ginasta afirma que é notável o quanto ter mais tempo sobrando para o descansar, acaba refletindo na qualidade dos treinos. “Mora fora da casa dos pais, não ter a roupa lavada, a comida feita, no começo é bem complicado, mas muitas vezes acaba sendo necessário. Nós atletas acabamos tendo que amadurecer antes, o esporte exige esta precocidade”.
E sobre amadurecer, Ângelo também destaca o papel importante que o técnico acaba tendo na vida de um atleta, ajudando-o a amadurecer em todos os sentidos. Hilton Dichelli Jr., o Batata, é um dos treinadores que acompanha o atleta desde a sua chegada no Pinheiros.
“A gente tem uma relação bem pai e filho mesmo, inclusive brigamos. Não é sempre sorrisos, abraços e carinhos, porque tem um trabalho no meio também, então é normal estes conflitos acontecerem. Mas hoje que eu estou mais maduro, enxergo isso de forma muito mais tranquila e vejo ele como um parceiro, um pai mesmo, pois querendo ou não ele fez parte da minha formação como atleta e ser-humano”.
Foi um pouco difícil a parte de desconectar da família. Você realmente começar a ver o esporte como uma profissão, onde você tem que se doar bastante. Eu passo cerca de 10, 12 horas dentro de um Clube, então é algo que você tem que gostar. O bom e que eu não moro em outra cidade, então consigo manter o contato com a minha família.
A relação com a mãe também foi se fortalecendo com o passar dos anos. Se antes o ginasta se incomodava quando era chamado a atenção e achava que algumas “broncas” pudessem ser desnecessárias, hoje ele encara como algo positivo. Além disso, dona Magali (sua mãe) também foi se adaptando no meio do caminho, antes tinha receio de assistir as competições do filho, ficava muito nervosa. Mas hoje já encara de forma mais tranquila, acompanhando sempre que possível e até arrisca em dar palpites de vez em quando.
“Eu sou muito próximo da minha mãe, nós temos muita cumplicidade. Quando você fica mais velho, passa a entender melhor este amor, este carinho. Hoje eu entendo melhor ela e consigo retribuir isso, ando abraçado e todo momento que a gente pode tentamos estar junto. Antes ela tinha um pouco de medo de assistir, porque ficava muito nervosa, mas hoje já melhorou e começou até a entender melhor e acompanhar mais, inclusive vai no campeonato brasileiro”.
Ângelo será um dos representantes do Pinheiros, no Brasileiro de Especialistas que acontece entre os dias 5 e 9 de junho, no complexo esportivo do Rio de Janeiro, localizado na Barra. O local é o mesmo em que o time brasil costuma se reunir em períodos de treino.
Muita estória para contar
Teve contato com a seleção desde pequeno, no pré-infantil e assim foi indo desde a base até o adulto. Reforça que muitas das coisas que viu e viveu até hoje, só foram possíveis através do esporte. “Tive experiências maravilhosas, peguei uma fase do Brasil que me favoreceu. Viajei bastante, disputei muitas competições importantes, conheci muitos lugares interessantes”.
O solo e o salto são os seus aparelhos favoritos, mas costuma ter facilidade também nas paralelas. “São dois aparelhos que pelo fato de eu gostar mais, acabamos treinando mais e tendo mais resultados”. E foi justamente estes dois aparelhos que proporcionaram a ele um alguns dos momentos mais marcantes de sua carreira.
Um destes momentos foi na época que ainda era juvenil, em uma competição no Japão. “Ganhar uma medalha no Japão foi algo que marcou muito, porque lá o esporte é cultural, eles torcem para todos, independente de qual seja o país, é muito lindo de ver”. Na ocasião, depois de ter feito uma boa série de solo ele acabou tendo um erro e não conseguiu medalhar. Na sequência, no entanto, acabou tendo uma boa atuação também no salto e a medalha veio.
Numa Copa do Mundo, realizada no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo no ano de 2015, ele também foi finalista em ambos e acabou sagrando-se campeão no salto. “Foi uma medalha que marcou muito para mim dentro da ginástica e até fora. Por competir em casa e ter outras coisas para mim que foram muito marcantes, por exemplo ter a Daiane dos Santos, depois de 10 anos narrando minha competição. Há 10 anos atrás era eu que estava assistido ela. Foi ali que eu tive a certeza em dizer: “quero isso para minha vida””.
O pinheirense reforça que a ginasta Daiane sempre foi uma referência para ele e ter hoje ela como uma amiga, dividindo momentos e as experiências, ajuda muito e faz toda diferença. A vida de atleta realmente não é algo muito fácil e durante o seu percurso, uma das fases mais difíceis para Ângelo, foi ter de lidar com as lesões. Entre as mais séries ele destaca uma lesão que teve no ombro e outros duas nos tornozelos.
“Eu tive algumas lesões um pouco complicadas, mas duas em que eu tive que fazer cirurgias foram piores. Fiquei bem chateado e tive que ficar um tempo parado, em 2010. Foi um pouco complicado lidar com isso pela primeira vez. Sempre tive dor normal de atleta, mas era uma coisa que dava para dosar, esta foi a primeira vez que eu tive que parar. Tive que contar com a ajuda de psicólogo, do meu técnico e minha família. Daí você se questiona um pouco sim, a gente vê acontecendo com os outros, mas acha que com a gente nunca vai acontecer. Então foi difícil”.
Entre estes percalços no meio do caminho, ele sofreu lesão nos dois pés e até brinca, que a parte boa de ter os dois alterados é que não dá para tentar compensar o peso de um no outro, o que poderia acabar comprometendo algum deles. Ângelo assume que não dá para dizer que ele continua sendo o mesmo, após a cirurgias e que a parte de recuperar a segurança é sempre mais complicada do que a própria recuperação física, mas acredita que ainda tem muita “lenha para queimar”.
Entre seus planos o atleta destaca que se vê brincando por uma participação em Olímpiada e conseguindo uma medalha, mas que não quer que este resultado seja algo que beneficie apenas a ele. “Eu quero servir de referência para as pessoas e fazer com que elas acreditem, principalmente os jovens de classes mais baixas, que existe outras opões e que eles podem chegar lá”.
E pensando no pós-ginástica ele fala que pensa em iniciar a faculdade logo mais, no entanto, não pretende fazer algo ligado ao esporte. “Quero fazer algo mais envolvido com direitos humanos, penso em assistência social. E quero aproveitar para fazer esta faculdade ainda como atleta, já que o esporte também me proporciona isso e o Pinheiros tem convênio com uma universidade. Quero me preparar para quando eu deixar de competir, isso seja um processo natural. Mas o esporte me deu uma visão de vida diferente, me fez almejar outras coisas, sair da bolha. Me trouxe valores como respeito, disciplina, comprometimento com o trabalho, foram coisas essenciais para o ser humano que eu estou me tornando e que eu quero me tornar”.