Fagner

Com mais de 50 anos de carreira, quase 70 de vida e uma história que se mistura à da música brasileira, Raimundo Fagner é um dos principais artistas a subir ao palco do ECP na Festa Junina. O cantor e compositor cearense fará um show no dia 30 de junho, interpretando grandes sucessos, como Borbulhas de Amor e Noturno. Este verdadeiro ícone da música nacional conversou com a Revista e relembrou o começo da carreira, as parcerias em sua trajetória profissional, sua relação com festas juninas e o que os associados podem esperar da sua apresentação no arraial do Clube.

Em 1972, a Elis Regina te apresentou como compositor incluindo Mucuripe e Noves Fora no show “É ELIS”. Você considera esse o primeiro grande momento da sua carreira? O momento em que a Elis Regina me apresentou como compositor foi muito importante, porque já estava preparando a minha bagagem para voltar para a universidade. E com o convite da Elis eu fui para o teatro e a minha vida mudou. Então, foi realmente decisivo esse encontro, porque ela era a cantora mais importante do Brasil, tinha a tradição de lançar novos compositores e ela botou a mão em mim. A imprensa aprovou e fiquei conhecido já no País inteiro como autor. Não existe nada mais mágico do que isso.

Quais outros momentos foram inesquecíveis?

Destacaria muitos momentos na minha carreira, tenho aí quase 45 discos, gravei com quase 100 artistas. Posso dizer que o trabalho que fiz na Espanha e que correu toda a América Latina foi um dos mais importantes.

 

Seu primeiro show profissional foi com a Nara Leão. Depois você gravou com Chico Buarque. Como foi começar com essa turma?

Puxa, você foi fundo nessa pergunta (risos). Isso faz mais de 50 anos. Acho que isso é um presente, jamais imaginei. Me criei ouvindo Chico Buarque e Nara Leão. Não esperava, também, ser lançado pela Elis Regina. Isso não é para qualquer um, é para alguém que tem muita sorte na vida. Eu credito isso a estar no lugar certo na hora certa. Estar com um trabalho que era novidade.

 

Você fez muitas parcerias ao longo da carreira. Como é dividir o palco?

Eu tenho o privilégio e, possivelmente, sou um dos artistas que mais gravou com outros artistas. Com o Cauby Peixoto, o grande Nélson Gonçalves, com toda a gama de artistas brasileiros, da antiga também, como Agnaldo Timóteo e da minha geração com Nara e Chico. Talvez possa ser incluído em livros de recordes, podemos até pesquisar isso. Dividir o microfone e participar desses diálogos e desses encontros, é algo inesquecível, fica para a sua carreira, fica como exemplo para outros artistas que não querem gravar com artistas. Eu gravei com todos. De qualquer estilo: Fábio Jr., Zeca Baleiro, Zé Ramalho, Amelinha, Elba Ramalho.

 

Qual é a sua história com o Roberto Carlos?

O Roberto foi fundamental. Ele gravou Mucuripe, me recebeu na casa dele para ouvir, foi um parceiro, um querido, devo muito ao Roberto Carlos. Até porque sempre foi o meu ídolo e me recebeu muito bem em São Paulo. Me levava para passear à noite no carrão dele pelas ruas paulistas no domingo. Sempre de um excelente caráter. Visitava a minha casa também.

 

Ele gravou Mucuripe, mas antes chorou escutando você cantar essa música. Como foi esse episódio?

Esse episódio foi na TV Tupi, no Rio de Janeiro. Eu ia fazer um programa da época que era o de maior audiência, do Flávio Cavalcanti, a pedido da Elis. O Roberto estava entrando na televisão, ele já sabia de mim e queria me conhecer. Pediu para eu tocar a música, se emocionou, e aquilo para mim foi um sinal de que estava no caminho certo, porque estava com o meu ídolo ali me dando essa força e se emocionando com o meu trabalho.

Uma das suas marcas na música brasileira é buscar por poesia (musicou Mario de Andrade, Cecília Meirelles, entre outros poetas). Qual é a sua relação com a poesia?

A minha relação com a poesia vem desde a infância, do colégio. Eu acho que me sinto uma pessoa responsável por ter trazido a poesia para a música. Levei poetas que já se foram e poetas novos. A poesia faz parte da minha história e é uma marca importante desde que eu saiba escolher e identificar na poesia a música certa. Isso tem sido uma referência para muita gente, como Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes e tantos outros novos que pude apresentar ao longo da carreira. Hoje em dia a gente está sabendo que a juventude está ligada em outras coisas, modismos, pouca inspiração, pouca cultura. A gente está vivendo esse País que, se for comparar com a minha geração, eram outras preocupações, outra cabeça, outra ideologia. Eu fico impressionado quando vejo pessoas muito jovens interessadas em poesia e em conhecer os grandes poetas. É algo importante sim, precisamos de cultura e de jovens que possam pensar um Brasil diferente daqui para frente.

Como você enxerga a produção musical brasileira hoje?

É um universo muito variado. Você não pode dar uma opinião sobre música. A gente sempre teve modismos. A gente sempre cobra que o exagero e a exposição, os artistas ficarem muito em cima dessa exposição, é algo muito mercadológico. Isso é natural. Um artista novo tem que investir para aparecer, mas esse não é o nosso estilo. Pretendo continuar tendo prazer em criar, prazer em fazer música, em gravar. Não tenho como dizer o que é bom ou ruim na produção musical hoje – cada um faz o que gosta. Temos uma juventude, de certa forma, que não quer pensar. Que quer dançar, ir para os bailes, se exibir – vai fazer o quê? A minha geração, a meninada queria pensar, queria dar ideia. Mas esse é o País em que estamos vivendo, tem que respeitar tudo. O Brasil é o País mais rico em música, pela sua diversidade. As pessoas escutam o que quiserem, o que for do seu gosto.

Qual é a importância da canção Borbulhas de Amor na sua carreira e qual a sua relação com essa música hoje?

Borbulhas de Amor é uma canção que me ‘perseguiu’ a vida toda. Essa música é, talvez, uma das mais escutadas no Brasil em todos os tempos. Na época ela bateu todos os recordes. Essa música não para de tocar, atravessa toda a minha carreira. Tem músicas mais importantes na minha discografia, mas Borbulhas de Amor é uma música que me perseguiu e persegue a vida toda, atravessou gerações e com certeza vou cantá-la na Festa Junina do ECP.

Como foi fazer tanta música diferente e nunca perder a raiz nordestina?

Bom, eu tenho esse sotaque, moro no Rio de Janeiro, mas moro no Ceará. Eu tenho as minhas coisas todas no Ceará. Nunca perdi a minha essência cearense. Sempre gostei da minha terra, sou uma espécie de ‘embaixador’ do Ceará. A minha casa é na praia, parece visitação pública. A minha raiz é cearense, nunca perdi, tenho orgulho disso. Sou muito identificado com a minha terra.

Quais são as suas primeiras lembranças de Festa Junina?

Ao longo da minha carreira, pelo fato de ser nordestino, venho fazendo essas festas de São João constantemente. Especialmente as de Campina Grande e Caruaru que são as grandes referências de Festa de São João. Então, a gente já tem aí uma experiência fantástica de encontrar esse público nesse momento tão mágico. São as festas mais lindas do Brasil. Mais autênticas, mais identificadas com o povo. Tem toda uma história minha do Nordeste, de São João, de ter gravado com tantos artistas nordestinos. Gravei músicas que tocam especialmente no Nordeste e raramente chegam no Sudeste. A minha nação é muito nordestina e fazer esse show é sempre uma alegria por poder trazer essa nossa cultura para o Sudeste. Especialmente para o Pinheiros, que é um Clube bem paulistano. É importante poder fazer essa ‘amostragem’ para os associados.

No show do Pinheiros vai ter alguma homenagem ao Gonzagão?

Em todos os meus shows, nas partes finais, que fazemos algo mais festivo, sempre tem Luiz Gonzaga. Como eu sou ‘filho’ de Luiz Gonzaga, historicamente, por ter trabalhado com ele, ter gravado, ter feito dele minha referência, naturalmente o público me identifica também com a história do Gonzagão. É uma identificação natural.

Você gravou com ele dois álbuns históricos em 1984 e 1988. O que você lembra desse encontro e o que você aprendeu com ele que leva para a vida inteira?

Luiz Gonzaga era uma escola, uma universidade. Você aprende muito a respeitar o público, a estrada, a receber todos muito bem. Ele era de uma generosidade, alguém que corria o Brasil inteiro pegando as estradas. Intimamente ligado ao povo. Acho que essa lição de povão, estrada, carinho, agradecimento – além do aspecto musical, ele é nossa referência – isso de lidar com o público e passar esse respeito, receber o carinho, é algo que me marcou bastante.

Qual é a sua expectativa para o show no Clube?

Naturalmente, o público me recebe com muito carinho. E a gente procura fazer o melhor possível com qualquer plateia. É uma festa ligada ao Nordeste, então me escolheram também pelo fato de eu ser nordestino, e vamos fazer uma festa o mais especial possível e deixar todos muito felizes. Com o repertório que já tenho, que tem relação com o Nordeste, mas naturalmente o povo vai querer ouvir as músicas mais conhecidas, que não são nordestinas. Com certeza, não vou poder sair daí sem cantar os grandes sucessos.


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