Quantos praticantes de Tai Chi Chuan são necessários para trocar uma lâmpada? Resposta: 100. Um para trocar a lâmpada e os outros 99 para dizer: “Não é assim que definimos o Tai Chi!” Em inúmeras versões, a piada é contada e recontada em muitos países e expressa, mais do que a dificuldade de definição do Tai Chi Chuan, a riqueza e a variedade de seus múltiplos elementos físicos, cognitivos e psicossociais. Tai significa punho, substantivo com tradução fácil. Já para os dois outros adjetivos, a tradução é controversa: punho extremamente forte ou mágico. Todas as definições são válidas ou adotadas de acordo com a vontade de cada um, porque, afinal, o Tai Chi é uma prática e não uma teoria.
A recente publicação do The Harvard Medical School Guide to Tai Chi, contudo, ao reunir e consolidar as inúmeras pesquisas sobre os benefícios da modalidade, senão esvaziou de sentido aquela piada, tornou consensual a importância do Tai Chi Chuan, já que, nos últimos anos, inúmeros países incluem a sua prática nos planos de saúde pública. Ele nasceu daquela milenar arte marcial chinesa que se fundamenta na reversão da energia, pois seus golpes circulares usam a própria força do adversário, tanto para defesa quanto para o ataque. Mas como ele se misturou à filosofia taoísta e apoiou-se nos pilares da tradicional medicina chinesa – que viam o corpo humano como um universo em miniatura – acabou virando uma inspiradíssima seqüência de treinamento físico utilizada para manter a boa forma e a saúde em geral.
Também foi definido como meditação em movimento: como é a totalidade do corpo que trabalha, exige-se naturalmente uma concentração total – a respiração é rítmica, a mente se esvazia e o mundo exterior é colocado entre parênteses. Apesar das inúmeras variações e estilos, a forma básica resume-se a 24 movimentos, que, a princípio parecem simples, mas que não são nada fáceis – já que exigem a coordenação global de todas as partes do corpo, baixando seu centro de gravidade e seguindo o ritmo natural da respiração e disposição mental.
Os praticantes de Tai Chi podem até nem perceber que estão obtendo benefícios aeróbicos, mas o Manual de Medicina de Harvard, após medir durante anos o dispêndio metabólico (METS) dos praticantes, concluiu que o ele é uma atividade aeróbica de intensidade moderada, ou seja, 40 minutos praticando suas várias sequências corresponde a 4,5 METS) – aproximadamente o mesmo de uma caminhada de 5 km por hora, em ritmo moderado e em terreno plano. Outros estudos mostram que a lentidão intencional dos movimentos, os períodos mais longos em pé sobre uma única perna e as posturas levemente flexionadas resultam em substancial carga sobre músculos e ossos das pernas, auxiliando, a médio prazo, na lubrificação articular, na manutenção da psicomotricidade e sensível diminuição de perda óssea. Outras pesquisas comprovaram, que praticado com regularidade o Tai Chi Chuan ajuda no controle da hipertensão, previne artrite e osteoporose, melhora o equilíbrio, estimula a circulação, fornece maior amplitude pulmonar e mobiliza o sistema imunológico.
Mas nada de muito complexo, nem assustador, pois o Tai Chi contraria a mentalidade dominante na cultura ocidental do “mais é melhor”, ou de que os exercícios precisam ser penosos, suarentos e dolorosos para serem eficazes. Seus movimentos suaves não exigem força, mas incentivam a seguir o fluxo da vida, a manter-se flexível diante da dureza. Em seis meses, é possível aprender os movimentos básicos. Depois, é só manter a regularidade, já que se trata de uma seqüência que possibilita que você mantenha sempre o seu próprio ritmo e as suas inclinações naturais.
“Tento viver um dia de cada vez, mas às vezes vários dias me atacam de uma só vez”, declarou Jennifer Yane, uma atleta e artista americana, dez anos antes de iniciar a prática do Tai Chi. Ela foi uma, dentre os mais de 500 praticantes, que participaram da pesquisa de Harvard, realizada durante quatro anos, sobre os benefícios cognitivos e psicossomáticos dos exercícios lentos do Tai Chi. Hoje ela quer distância de palestrantes motivacionais e técnicos esportivos que recomendam as pessoas “a darem o máximo de si” e pergunta: “Por que ninguém recomenda ir mais devagar?”
O taoísmo chinês tem uma explicação brilhante para isto, mas que para nós, formados na cultura ocidental, ainda é um tanto esotérica. Trocando em miúdos – ou buscando o equivalente filosófico ocidental – seria dizer que, quando fazemos o Tai Chi, damos um tempo na nossa correria, refazemos nossa experiência com o tempo profundo, reaprendemos que a rapidez e a pressa só estragam certas atividades humanas, principalmente aquelas relacionadas a verbos como cismar, refletir, cogitar ou contemplar. No nosso cotidiano apressado, pressionados pelos insistentes toques dos nossos smartphones, esquecemos que certas atividades humanas necessitam da lentidão. Tudo isto talvez seja verdade, mas ao adotar o Tai Chi, com certa persistência, livre-se da necessidade quase neurótica que temos de competir, de terminar tudo rápido, visando recompensas, prêmios ou resultados imediatos. Não há atalhos que se possam tomar para abreviar o processo de sua aprendizagem ou de sua prática. Daí, que as melhores qualidades que se deve procurar num mestre de Tai Chi – e, diga-se, de qualquer outra modalidade – são a simpatia, o bom humor, a paciência e a vontade de partilhar seus conhecimentos com os outros. Se tais características não estiverem presentes – não importa a grandiosidade dos seus títulos – é melhor procurar em outro lugar.
E nem precisa, pois no ECP temos o privilégio de contar com os mestres Daniel Lee e Francis Lee, que, há quase duas décadas transmitem as ancestrais lições chinesas, aprendidas e aperfeiçoadas na Faculdade de Educação Física de Beijing (China).
O Tai Chi Chuan não é competitivo, nem vive de resultados. Não é apenas arte marcial, embora possa ser utilizado para tal. Não é apenas um esporte, embora faça parte do cardápio de muitas modalidades esportivas. Não é apenas meditação, embora tenha todos os ingredientes dela. Não é coletivo, mas estimula a comunicação humana por meio da agregação triangular de ritmo cinestésico, movimento e concentração. Em resumo, o melhor do Tai Chi é fazê-lo. Mas, para aqueles que, não querem fazer parte da turma daqueles 99 que assistem a troca da lâmpada e ainda assim, insistem numa definição, deixo aquela, que é do meu bem-humorado mestre Daniel Lee: “o Tai Chi Chuan é o melhor negócio da China! ”.
Elias Thomé Saliba é historiador, professor titular da USP e praticante de Tai Chi Chuan no ECP